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por Eugênio Vinci de Moraes.

A primavera chegou. Desculpe a frase fácil. Talvez devesse rebuscá-la, pingar uma metáfora, desarranjar-lhe a ordem. Mas quem pode com a primavera? Por mais amazônias que se queimem, ela insiste em voltar. Por trás da janela, florinhas amarelas espocam no ar lavado de sol. E a farra das folhas, preenchendo os galhos secos do outono, deixando tudo verde, como se o país estivesse nadando numa orgia hídrica? Primavera é resistência, alguém tuita, postando um desses clichês que nos restam.

Aqui no Pilarzinho quem deu as boas-vindas pela nova estação foi uma rechonchuda phoneutria. Flagrei a aracnídea escalando a parede da escada que dá na entrada de casa. Uma tatuagem marrom apavorando o branco do reboco. Ela é conhecida como armadeira ou aranha-de-bananeira. O nome científico, do grego antigo segundo apurei, dá a letra da bichinha: assassinoassassina.

Na hora que eu a flagrei, não sabia nada disso. No susto, mandei foi um palavrão peçonhento, fiz um S pra contornar a bichona e corri pra tirar uma photo. Fator fundamental para descobrir a identidade da ctenídea. Explico. Para descobrir o erregê dessas visitantes atrevidas envio a imagem delas para um grupo do Facebook. Não demora muito, alguém dá a ficha corrida da turista. Nesse caso, a informação era vital, pois a moça parecia querer passar uma temporada em algum sapato ou buraco escuro da casa.

Enquanto aguardava a resposta, peguei minha vassoura de palha e resolvi fazer um teste. “Vou cutucá-la, se ela levantar as patas e arreganhar as quelíceras, grandes chances de ser uma armadeira”. Testei e ela deu uma reboladinha, virou uns 5 graus à esquerda e parou. Não é uma assassina, deve ser uma aranha de jardim anabolizada. Desacovardado, catei um balde, Adriana me trouxe um papelão, emborquei o recipiente, apanhei a criatura.

Antes de devolvê-la para o mato resolvi espiar as repostas no Face. Gelei. Foi neste momento que descobri ser uma phoneutria. Pior. Nas mensagens, li que algumas saem pulando atrás do agressor, vassoura, gente, assombração, o que for. Mas fui salvo por um detalhe: a aranha estava grávida. Os doutos membros do grupo acusaram, pela photo, o ventre bojudo da gestante. Isso explicaria a placidez com que conversou com a vassoura e a facilidade com que deixou-se apanhar.

Não sei qual o recado a primavera quis me passar. Mesmo desentendendo, gostei. Com o fim do inverno, um fervo de insetos e aracnídeos (menores e menos assassinos) começa a animar a casa. O perfume de aço novo, como escreveu Clarice Lispector, que rola no quintal e um vaivém vivo que desenrola dentro de casa desmentem toda a coisa ruim que empesteia nosso presente. Não que eu queira pisar numa herdeira da armadeira vizinha, mas o ventre generoso dela também é primavera. Tá dado o recado.

 

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