Trilha para esta crônica (sim, pode ler ouvindo): Where Do I Go From Here, do Rei Elvis Presley
Zdrowaś Marjo łaskiś pełna / Pan z Tobą / błogoławionaś Ty międzi / niewiastami i
błogosławiony owoc / żywota Twojego Jezus. / Święta Marjo, Matko Boża
Em polonês, uma reza, quase cantoria. Percebo várias vezes o que pode ser a palavra “Jesus”. Na intensidade da oração, possivelmente a mãe Maria anda presente na rogação.
Ela está com 98 anos, seu olhar não desgruda dos nossos, um pequeno altar no quarto vilipendia este encontro, as lágrimas estão guardadas para depois.
A voz ganha força, Anna é o seu nome.
Somos olhos atentos a cada movimento seu.
Leva ao rosto nossas mãos entrelaçadas, ficamos ali, Angela e eu, brindados por seu encanto.
“Meu mel não diga adeus”, cantava o sucesso de outro tempo no YouTube, na voz do Marquinhos Moura, isso mesmo, ressurge de um tempo passado, alguém que não costumamos mais ouvir, é isso. “Meu mel não diga adeus.”
Lembro da conversa que me foi dada como um presente. Quando os pratos diminuem na mesa, quando a louça na pia é miúda, o tempo revela a casa que foi festa, ruidosa de alegrias, comunhão… Parece agora viver o silêncio de um fim.
Filhos vão embora e nem sempre retornam, pais, familiares, amigos… já partiram dessa ou andam por aí, tontos como todos nós, tentando agarrar a vida, vivenciar o tempo, sobreviver.
Nada mais está como foi, assim é a vida, o que ela espera de nós?
A cada nascer do dia, renascemos, mesmo quando tudo escassa, seca, acaba.
Tudo é adeus.
É preciso valorizar o agora, viver cada momento com paixão, dizer as pessoas que estão, de fato, ao seu lado, o quanto você gosta e o quanto são importantes para você.
O perfume das flores de dezembro, a champanhe para um, dois, ou uma multidão.
Quando os fogos que nunca fizeram sentido agora irritam ainda mais, não há mais brindes como antes, nem casa cheia, a lentilha do pai, as uvas na taça da mãe, Martinho da Vila tocando na vitrola após a virada do ano.
Na fotografia, minha mãe Terezinha e meu pai Roberto brindam, posso ouvir suas vozes, sentir o cheiro dos perfumes e das comidas perfumando a sala do apartamento.
Aos 98 anos, sua voz comove, a reza, a oração polonesa escapa na voz a flamular, como um fio de vida que se agarra a fina e frágil tarde de dezembro.
Na mesa poucos pratos e talheres, no silêncio da virada o pensamento voa longe.
Anna rezou de mãos dadas para Angela e Fabio, Elenice falou para Angela, que contou para Fabio sobre a mesa posta, Fabio escreveu para quem quiser ler.
Antes de ir, uma memória da infância assola esta crônica. Meus pais me contavam que quando criança, colocavam no toca-discos o álbum do Elvis Presley de 1973, também conhecido como “The fool”, ele tinha uma capa matadora, que eu não parava de olhar, era Elvis com aquela roupa cheia de brilhos e na contracapa o rei, com o violão e uma foto do planeta Terra. O que mais me emociona é que segundo me diziam, eu tentava imitá-lo e cantar as músicas do álbum que insistia em girar. Os primeiros cantores que me encantaram na infância, Vinicius de Moraes (nos discos da arca de Noé) e o Rei Elvis Presley. Ouvindo agora, lembro claramente da minha empolgação com: (That’s What You Get) For Lovin’ Me e Where do I Go from Here.
Abre caminho 2024, que a chama da vida siga acesa e louca, dançando para o porvir.
Um brinde e todos os bons sabores dessa vida.
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Fabio Santiago nasceu em Maceió (AL), em 1973, e está radicado em Curitiba (PR). Publicou os livros A marca do vampiro (compre aqui, 2023), Cantos temporais e Mar de sombras, ambos em 2022, Versos magros (2021) e Intramuros (2020). É formado em Comunicação Social e criador do blog Acre infuso, ativo desde 2004. Redes sociais: @fsantiago006 (Instagram) e Fabio Santiagoc (Facebook)
Uma resposta
Ler O PERFUME DAS FLORES nova crônica de Fábio Santiago, esse especial poeta e escritor que muito admiro e cuja obra eu conheço, levou-me à minha infância. Fábio , com sua prosa poética e clara pontua memórias e atualidades, fazendo do passado o presente, mesmo com a consciência de que esses momentos, sensações e sentimentos , só possam se realizar no fundo de nossos corações. Parabéns a Fábio. Obrigada à Kotter por traze-lo. Um beijo, poeta e escritor querido.