A serra faz suar, castiga o motor com reduzidas, freio motor, ouvidos entopem, a vontade de transpor as suas costelas e abandonar as suas lágrimas é um anseio para quem, agarrado ao volante, não vê a hora de chegar ao destino.
A serpentina de caminhões decora a subida, apenas uma faixa ainda está livre para que possamos deixá-los para trás, a descida está próxima e as carretas em breve estarão na cola, lambendo as curvas da ladeira.
Pneus riscam o asfalto, motor ronca, marcha engrenada, olhos incrustados na pista.
Gostamos mesmo é de pegar a estrada, pulsar no ritmo frenético de novas descobertas.
Versar horizontes, encontrar diversos rumos.
Pé na estrada, Kerouac! Por aqui pés nos pedais, sempre com muita cautela.
Jack parece falar comigo, “Qual é a sua estrada, homem? – a estrada do místico, a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada dos peixes, qualquer estrada… Há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância.”
Estou dizendo que gostamos da estrada e respeitamos seus limites, sabemos que não é para amadores, por isso andamos sem excessos. Há que ter sorte também, sempre.
Conhecer ou reencontrar pessoas, provar novos sabores, ancorar em hotéis, flats, apartamentos…pé na areia, mar salgando a carne, edifícios, museus, bares…ah, os bares.
Sim, Jack kerouac, o que nos interessa são os, “loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício”
Estradas, elas estão por todas as partes, BR 116, BR 277, BR 101, AL-101, Graciosa…
Alguém aí já assistiu ao filmaço, Encurralado (Duel), 1971, do Steven Spielberg?
Estamos viciados nisso, malas prontas, tanque cheio, dinheiro para o pedágio e lá vamos nós, no embalo do motor.
Ela com os olhinhos fixos no gps, diversas paradas, muito café e paisagens recortadas.
Em uma dessas viagens, a chuva descia seu véu, limpador de para-brisa em alta velocidade, alguns carros na pista, velocidade bem abaixo do limite, desembaçador de vidros ligado, ar gelando, vidros fechados, faróis acesos. Encaramos a torrente, atenção redobrada, nem a tempestade nos fez parar.
Logo uma fresta aberta acende a luz da tarde, nuvens descansam, pista molhada, no acostamento um motoqueiro reza, braços ao alto, rosto em direção a uma igreja que mora na pequena cidade. Adiante um carro de passeio repousa em uma estrada de terra íngreme, um andarilho em andrajos parece não ter rumo, o cachorro na entrada da loja de conveniências tem um sorriso simpático, água com gás, drops, calor danado, jardim oriental no Graal.
Poemas para todas as pistas desenham-se nas nuvens, quilômetros engolem horas, olhos não largam horizontes, falta pouco para chegarmos.
“Hit the road, Jack”, no radio dá o compasso, o velho Ray Charles mandando brasa, enquanto escrevemos com os pneus nossa crônica em quatro rodas.
Pés nos pedais e a velha vontade de ser um viajante beat rumo ao desconhecido.
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Fabio Santiago nasceu em Maceió (AL), em 1973, e está radicado em Curitiba (PR). Publicou os livros A marca do vampiro (compre aqui, 2023), Cantos temporais e Mar de sombras, ambos em 2022, Versos magros (2021) e Intramuros (2020). É formado em Comunicação Social e criador do blog Acre infuso, ativo desde 2004. Redes sociais: @fsantiago006 (Instagram) e Fabio Santiagoc (Facebook)