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por Fabio Santiago

 

Ouvi ela dizer para uma outra fulana a expressão, “Boca de Garrafa”, pensei logo – O que seria isso? Talvez quisesse dizer boca de caçapa.

– Não! É boca de garrafa mesmo, não guarda segredo, linguaruda, fofoqueira!

Seria a amiga dela uma falastrona ou alguém que gosta de gastar a palavra?

Sei de algumas pessoas que quando bebem umas a mais não param de falar, confessam, contam, berram, abrem o coração, na terapia da boca da garrafa.

Achei até bonito, parece nome de conto, peça de teatro, porque não, luminoso de estabelecimento comercial.

Não existe seresteiro que absolva a dona, a causadora da desilusão, nem aspirina que salve a dor da palavra “Não”, saindo dos lábios impiedosos daquela que lhe nega um amasso, um laço, um fim de tarde em um quarto qualquer do bairro.

Basta um cigarro para quem fuma, um trago para quem bebe ou aquele velho disco do Chico rodando no prato da radiola “A Rita levou meu sorriso”.

Se o sujeito não tem outra na mira, não tem plano B para o pé na bunda, o plano B se torna o B de boteco.

Há também quem corra para o verso, mas este vem depois…sim Torquato, ” Poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc…”, mas na meia luz, no meio fio, com meio balde, ele encharca a carne e entorta o passo.

Desta maneira, em alguns casos, pode surgir no mancebo rejeitado o queixume, o choro, a desilusão que se alastra ao amigo de copo, ao garçom desavisado ou até ao dono do boteco que encostado no balcão, ouve as tristezas do amor enquanto lhe serve doses repetidas de rabo de galo e cerveja.

Aqui talvez encontremos o boca de garrafa em seu estado pleno, com direito as bocas secas de suas garrafas etílicas, o linguarudo desfaz da moça, diz ter beijado, visto nudes e alisado as suas coxas de todos os lados. Um boca de garrafa nato, seria ele?

Hoje não tem água para lavar a calçada, reclama enquanto a chuva parece prorrogar a sua visita – A caixa d´água está ficando vazia –  Reclama enquanto a chuvarada foi visitar outro lugar.

Rodízio toda semana, racionamento, revezamento, revés.

O boca de Garrafa reclama, mas se não poupar água, não vai ter jeito.

O prefeito, este boca de garrafa que gasta a saliva em discursos de palanque, agora com a pandemia, também se garante, dá seu jeito, vai até prometer água, vai alisar e convencer que é nele que se deve votar. Para este boca de garrafa a água jamais vai faltar e muito menos a saliva.

A boca da torneira não pinga, o chuveiro está calado, a boca do filtro permanece sem água, até o boca de garrafa já nem quer falar.

Para quem não tem casa, não tem água encanada, não tem poço, o que vive no esgoto, e para o que não pode comprar nada, muito menos a sua garrafinha plástica d’água, como vai fazer?

– Hoje não tem água, amanhã vão liberar, enquanto o rádio do vizinho toca aquela linda e triste canção – “Lata d´água na cabeça, lá vai Maria, lá vai Maria”…

 

 

*Fábio André Santiago Costa, nascido em Maceió, reside em Curitiba. Formado em Comunicação Social. Em 1997 foi indicado pelo escritor Valêncio Xavier para concorrer a uma Bolsa Vitae para jovens estudantes. Criador do blog “Acre Infuso” em 2004 e agora ativo novamente como coluna mensal no site da Kotter. Recebeu uma menção Honrosa do “Quepe do Comodoro”, Premiação do Saudoso diretor de Cinema Carlos Recheinbach. Em 2018 teve um poema, “Flores e Sombras na Dobra do Tempo”, publicado em uma Antologia Poética da editora Chiado. Em 2019 publicou o e-book (Amazon) Mar de Sombras. Em 2020 publicou o livro Intramuros, pela editora Penalux. Em 2021 lançará seu novo livro “Versos Magros” pela Kotter Ediorial.

*Imagem, Tela: Francesco Clemente, “Name” (1983) / Gagosian Gallery. Retirado em: https://www.newyorker.com/magazine/2006/06/05/dimension

 

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