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por Marcos Aurélio Ceccon

 

Os autores de literatura infantil e infantojuvenil não são tão valorizados como realmente deveriam. Você não acha? A literatura infantil é e sempre será a grande incentivadora para as novas gerações de leitores. Fato! Se hoje somos uma pátria sem leitores é porque muitas pessoas não foram cativadas por aquilo que realmente deveriam ter sido cativadas – ou, melhor, não foram estimuladas e apresentadas a um gênero que as cativassem.

Saint-Exupéry é mais abrangente do que podemos imaginar com a frase “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e, quando você é cativado pela literatura, sabemos que é um caminho sem volta. Se você é encantado por uma obra literária, sempre estará à procura de outras que a superem. E, quando se trata de nunca parar de buscar novas literaturas, estamos falando de um ser que será eternamente esclarecido para entender tudo o que o cerca. A literatura tem esse poder! E, para a infância, a literatura deve ter um papel fundamental, a fim de mostrar para as crianças universos particulares e inspiradores.

São nos primeiros anos, antes mesmo da compreensão da soma de letras, que os livros devem ser apresentados aos pequeninos. A atitude de mostrar a mágica da contação de histórias e entretê-los é fundamental na formação da descoberta dos caminhos para os valores humanos. Todas as obras trazem mensagens incutidas em seus textos e contextos. A criança vai entendendo que o livro é uma fonte de novos saberes, que, ali, estão as páginas que esclarecerão e alimentarão suas fruições para aprender sempre mais. Novos e velhos autores poderiam se aventurar mais com obras para esse público.

Graciliano Ramos possui uma obra infantojuvenil com uma mensagem linda para a humanidade, A Terra dos Meninos Pelados, escrita em 1939. Sem spoilers aqui. Leia e me dê razão. Na Inglaterra, os meninos das gerações a partir da década de 1910 foram influenciados pelos personagens valentes e destemidos do escritor W.H.G. Kingston, que produziu obras marcantes e criou gerações de desbravadores e curiosos em aventuras que se passavam muito além da Grã-Bretanha. Inclusive, escreveu uma de conteúdo brasileiro, Ao Longo do Amazonas (sendo que muito provavelmente jamais tenha pisado em terras tupiniquins).

Clarice Lispector é também um exemplo disso. Autora de cinco obras para o público infantil, flui também como mestre em entreter os infantes. “Quando eu me comunico com o adulto, na verdade, estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, aí é difícil. O adulto é triste e solitário, mas a criança tem a fantasia. Ela é solta e feliz”. É fácil sentir essa liberdade com a fantasia lendo esse gênero ao sabor de Lispector. Para quem é criança e para quem já foi, percebe-se um acolhimento maternal em suas histórias. Começo citando e indicando duas de suas obras:  A Mulher que Matou os Peixes, que é um marco na nossa literatura, e O Mistério do Coelho Pensante que fala de um astuto coelho que encontrou uma maneira bem particular de usufruir de sua liberdade.

Tempo de Menino, de Domingos Pellegrini, dá o sabor da infância e juventude em cinco contos inesquecíveis. Pellegrini sempre surpreende em suas narrativas, sejam infantis ou juvenis. Nesse embalo está Paulo Venturelli, autor do Anjo Rouco, obra repleta de ficção e mistérios, pronta para se tornar uma super produção cinematográfica. Fica a dica aos cineastas de plantão! Olha a responsabilidade desses escritores que produzem conteúdo para as novas gerações! E, se tivermos novos leitores engajados, teremos pensadores mais reflexivos, questionadores, quiçá filósofos, com mais capacidade de interpretação para ler um mundo além das linhas e influenciar com atitudes inovadoras.

Caro leitor/leitora, você tem ideia de que cada ser que lê é único e se torna influenciado pelas obras e autores? É uma biblioteca viva e contagiosa! Cria uma impressão digital literária – João, que lê Machado de Assis, Cervantes e Guimarães Rosa, é diferente de Pedro, que lê Helena Kolody, Shakespeare e Cora Coralina, e de Maria, que lê Carolina de Jesus, Érico Veríssimo e Fernando Pessoa. E estes três são diferentes de outros Joãos, Pedros e Marias que não leem – eu até me atrevo a dar o perfil desses três tipos de persona.

João é um juiz em fase de aposentar-se com o poder de entender muito além do que os processos lhe dizem. Pedro é um médico que já foi tantos personagens que sabe das mazelas dos seus pacientes antes mesmo de terminarem suas queixas. Maria é uma professora que encanta seus alunos com a maneira fácil de explicar como sua ciência pode mudar o mundo. Todos eles são mentes de estímulos e conhecimentos únicos, influenciados pelas particularidades de cada autor – e se tornaram ricos e especiais para escrever melhor e interpretar o mundo com mais literariedade. São donos de uma inteligência emocional mais aguçada e vívida. Expressam-se melhor, têm uma capacidade de concentração inabalável e um vocabulário riquíssimo, o que os valoriza em tudo o que fazem.

Caro leitor, o gato não comeu os escritores de histórias, infantis e infantojuvenis. Porque faltariam gatos para tal feito! Tem muita gente boa há tempos no mercado, produzindo conteúdos de excelência: Ana Maria Machado veio para ficar e não podemos mais viver sem ela. O meu favorito é Mistérios do Mar Oceano. Ruth Rocha também é outra veterana inspiradora, com uma cadeira cativa na Academia Brasileira de Letras. É autora da obra Palavras, Muitas Palavras, um conteúdo que eleva o aprender a ler, com a diversão que toda criança merece ao ser apresentada ao mundo da literatura. Ela já publicou mais de 200 títulos, com tradução para 25 idiomas. Marcelo, Marmelo, Martelo é pura genialidade, com a simplicidade de um personagem que encanta, como todos os personagens de Ruth.

Não deixo de citar aqui também escritores consagradíssimos/consagradíssimas, com obras memoráveis que dispensam apresentações – cada um com as minhas indicações favoritas: Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho), Chico Buarque (Chapeuzinho Amarelo), Sylvia Orthof (Quem Roubou meu Futuro?) Cecília Meireles (Ou Isso ou Aquilo), Angela Lago (Cena de Rua), Ziraldo (O Menino Maluquinho), Ricardo Azevedo (O Livro das Palavras), Lygia Bojunga (A Bolsa Amarela), Marina Colasanti (Uma Ideia Toda Azul) – Eu ainda acho que, com todo esse legado de autores e obras, nós deveríamos ter formado muito mais leitores.

Há uma ausência de consideração e condecorações para esses desbravadores de leitores. E, para as novas gerações de escritores ou aos que anseiam aventurar-se como produtores de conteúdo infantil e infantojuvenil, posso dizer-lhes que agora é o momento certo para adentrar nesse barco. Uma linda e prodigiosa carreira os espera. Não se reprimam! Bora tirar das gavetas os projetos e bater às portas das editoras. Sempre serão bem recebidos, não é? Nós precisamos de mais e mais contadores de histórias para expressarem tamanho regionalismos, valores étnicos e culturais. Por mais conteúdos sensíveis que captem nossas atitudes e deixem nossa alma literata eternamente viva! Todos merecem uma chance e temos tantas editoras esperando um best seller a ser publicado, não é?

Não posso perder a deixa e dizer, aqui, como prova viva, que há algum tempo navego nesse barco e os ventos estão bons e a minha obra de estreia foi aceita no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Desta forma, tenho, agora, um legado de 110 mil livros distribuídos por esse Brasil. Quer incentivo maior do que esse para se aventurar por esses mares da criação literária? Bom, eu acredito que lendo a minha obra, O Contador de Estrelas, você já vá encontrar um pouco mais de inspiração para ser meu parceiro de profissão. Mas, para realmente ganharmos projeção aqui vai mais uma sugestão. Se temos consagrados/consagradas escritores/escritoras e, consequentemente, obras de excelência, precisamos trabalhar melhor a comunicação delas – e aí entra a grande magia da propaganda.

A publicidade de livros precisa de grandes campanhas, a fim de criar o hábito de leitura, fortalecer os autores e criar novos escritores. Produtos bons nós temos, só é preciso que o público saiba que eles existem e transformam as nossas vidas.  Aí está o pulo do gato.

 

 

 

*Marcos Aurelio Ferrarini Ceccon nasceu em Curitiba, em 1969 e cresceu em Campina Grande do Sul. Formado em Letras pela PUCPR e pós-graduado em Comunicação com ênfase em Jornalismo, também pela PUCPR. Atualmente é editor da página Lostbook, arqueologia literária, um site colaborativo, que abre espaço para resenhas de obras marcantes na vida de cada leitor. Trabalha também como planejamento e produtor de conteúdo na Theor Criativo, Editora LT e Ziraldo Produções. Em 2021 lançará a segunda edição do seu livro “O Contador de Estrelas” com a Kotter Editorial.

*Imagem, foto: Notaterapia, confira aqui.

*Foto autor: Joel Rocha

 

 

 

 

Você sabia que a Kotter tem um selo infantojuvenil?

Conheça três dos nossos títulos:

Mamãe, papai fez arminha com a mão

Godofreda: e suas nove amigas

Et o sequestro – estórias da vovó Esmeralda

 

 

5 respostas

  1. Uma pergunta que sempre me faço quando vejo a programação de feiras literárias com mesas de destaque e nada sobre literatura desde a infância… Será que pensamos na atitude leitora como instrumento para cidadania plena e realização de nossa condição humana? Autores e editores que pensam o público adulto deveriam antes pensar se terão leitores daqui cinco, dez, quinze anos, deveriam abraçar a literatura para infância como imprescindível.

    Parabéns, Editora Kotter, pelo espaço. Parabéns, Marcos, pelo texto. Vou aguardar o próximo.

  2. A literatura infantil precisa de adultos que se importem em ler e se comunicar com o livro e a criança. Diante da vida agitada, muitos pais preferem deixar de lada essa função tão importante do incentivo da leitura e interação somente para a escola.
    Uma grande tristeza! O que mais me lembro é minha mãe lendo os livros pra mim, e hoje eu sei o que isso me moldou.
    O livro precisa de gente, e gente precisa de livros!
    Um abraço,
    Michelle Gontijo

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