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por Eugênio Vinci de Moraes.

Pedalei como um remador de galés dia desses. O Tonico que me arrastou pra essa travessia ciclística. E a maré não estava nada favorável: fazia um frio islandês e uma garoa vassourava nosso rosto de quando em quando. Saímos do Pilarzinho rumo ao Jardim Social com destino ao Bosque de Portugal e ciclovias além.

De saída, meu par me jogou numa subida nunca dantes vencida. Era a José Korman, um ladeirão que brota na Mateus Leme e deságua na Anita Garibaldi. Era uma forma de cortar caminho pra chegarmos à ciclovia do Ahú. Navegava com uma caloi 700, alta e fininha, boa pra pedalar. O que a travava eram um fôlego afonsino e uma corrente que teimava em soltar da coroa do câmbio. O galeão do Tonico singrava célere no alto da Kormann. Mas não desisti, auxiliado pelo sopro de um carioca perdido na gelada capital paranaense: — Não desista! não desista!

Deslizar os pneus na ciclovia foi uma bênção, como dizem por aqui. Aa ciclovias curitibanas costeiam rios e uma ferrovia que ziguezagueia pelos bairros da cidade. Como me explicou o Tonico, os dormentes são emparelhados sob os trilhos num curso suave, acompanhando quando podem o leito dos rios, os quais, como eu, desgostam de ladeiras. Essa composição rio-trem dá um ar rural que dilata os pensamentos nesse redemoinho moderno em que imergimos.

Sempre ao encalço da nau capitânia seguimos até a Fagundes Varela e a Osorio Duque Estrada, ruas que encaixilham o bosque português. Apeamos da bike e adentramos o generoso arvoredo que constitui o bosque. Uma trilha de pedra acompanha o ribeirão Tarumã, que corre pelo bosque. “Mas o que tem Portugal com isso?”, perguntam seus botões. Explico. Em Curitiba há várias praças homenageando países e etnias que compõem a população da cidade. Noves fora o ultrarracismo das escolhas (etnias indígenas e nações africanas mal são homenageadas quando não são escanteadas), varia a forma de caracterizar essas nações ou povos.

Aqui no Portugal, levantaram vinte pilares onde exibem-se trechos de poemas de autores lusos e brasileiros. Camões, Sophia de Mello Breyner, Drummond e Almeida Garret à parte, as colunas são uma razia estética. Os poemas sentem o peso grosso dos pilares amarelões e tijoloquentes. Poemas “são parte do tempo respirado”*, nada têm com colunas, pilares e monumentos. São mais chegados a uma lua e a um conhaque do que a esses adamastores de cimento. A poesia se desenrola nas margens do riacho, acende-se nas folhas das gabirobas e dos miguéis-pintados, flui nas luzes findas que gorjeiam na mata e nas águas do Tarumã.

Mas meu Vasco da Gama não estava pra conversa e nos pôs a pedalar para além do bosque luso-curitibano. Minhas pernas moídas o seguiram, valorosas. Atravessamos a Linha Verde, avenidão marchetado em cima do trecho urbano da rodovia Régis Bittencourt, conhecemos outras praças, abordamos um engenhoso jardineiro que levava suas ferramentas numa carreta engatada à bicicleta, contornamos o parque do Bacacheri e retornamos ao Pilarzinho natal. Valeu a pena? A leitora, o leitor, sabem a resposta.

* Verso do poema “Manuel Bandeira”, de Sophia Mello Breyner (Cia. das Letras, 2018, p.220)

** A foto é de Júlio César Jgelki, capturada aqui: encurtador.com.br/kwz25

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