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por Bruno Nogueira

O primeiro cliente do restaurante é sempre o Brigadeiro, um senhor de uns 75 anos que gasta semanalmente mais que o salário do Luís em almoço.

Ele entra no restaurante sem conseguir manter a coluna tão ereta quanto gostaria, mas anda até a mesa mais distante do barulho da rua com passos firmes, coisa que segundo as filhas é mais que a maioria dos homens dessa idade consegue fazer.

            O Brigadeiro é figura conhecida. Não gosta de se sentar na cadeira à parede, e sempre que chega se inclina à frente como pode, esquadrinhando por baixo dos óculos o forro branco da mesa; balança a cabeça afirmativamente e se encosta na cadeira de madeira negra envelhecida.

Começam a preparar o suco de morango que sempre acompanha a refeição do Brigadeiro enquanto ele escolhe, trazendo o cardápio tão perto que a ponta do nariz quase o toca. Os óculos não são trocados faz um tempo porque não importa, que diferença ia fazer?, e ele leva uns minutos escolhendo, mas sempre acaba aceitando a sugestão do Luís — desde que tenha carne, de preferência pingando sangue. Luís suspeita que o Brigadeiro não enxerga bem as opções, retira os cardápios logo e em seguida busca o suco, que antigamente levava leite, mas hoje o intestino não deixa.

            Luís tem alguma admiração pelo Brigadeiro. O porte que ele tem, mesmo com o curvo da idade, as roupas sociais perfeitas, o cabelo, o sapato ultra brilhante, modelo feito e refeito até hoje por um sapateiro aposentado que atende exclusivamente aos pedidos do Brigadeiro, fazendo com exatidão o mesmo modelo cuja sola, décadas atrás, o avô de Luís foi obrigado a lamber, com o qual o Brigadeiro deu passos lentos numa cela ao redor do corpo nu amarrado que sangrava de hematomas aracnoides, o mesmo modelo que o Brigadeiro usou para pisar, esmagar os testículos do homem a ponto de deixá-los inférteis pelo pouco tempo de vida que ele ainda tinha antes que o Brigadeiro desse a ordem.

            Mas nenhum dos dois sabia. Luís não tinha conhecido o avô, e tratava o Brigadeiro com algum carinho, quase como se fosse. Achava graça ele quase esquecer por uns segundos que estava em público e enfiar um dedo no nariz, ausente, colando a sujeira na madeira áspera sob a mesa que Luís teria que limpar depois. Ele pensava “coitado do velho”, e não se incomodava. O Brigadeiro comia devagar, deixava para trás boa parte do prato em que tinha pago de 55 a 110 reais, pegava com um sorrisinho o brigadeiro de cortesia que lhe davam por brincadeira, e seguia, pontual, silencioso.

            Luís reparava no sorrisinho, e achava bonito o orgulho do Brigadeiro.

*Bruno Nogueira é um escritor e tradutor mineiro, nascido em Lagoa da Prata e radicado em Curitiba, onde busca concluir um mestrado em literatura, lança em 2019 com pela Kotter o livro “A Síndrome do Impostor”.

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