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por Bruno Nogueira

A pizzaria fechou em definitivo. A porta de metal preta, pixada com tantas tags que elas chegam a se sobrepor, está abaixada pela terceira vez, pelo segundo sábado consecutivo.

Bruno não consegue evitar, pensa em algum tipo de violência enquanto anda, as mãos no bolso do casaco e a expiração um hálito branco e inodoro.

Nas ocasiões em que comprou aqui, sempre encontrou movimento, a atendente a toda hora inseria pedidos no computador, respondia ao ifood, o entregador incessava, e o tilintar sinalizava as pizzas prontas com frequência. E de repente, fechado.

Nas primeiras vezes ela estava sozinha, um top branco decotado no calor de fevereiro e um sorriso simpático mas profissional. Em alguns casos a filhinha estava ali também. Era um cômodo pequeno que só servia para buscar as pizzas, mas a menina frequentemente corria por lá, brincando com bonecas ou carrinhos. A parede alaranjada tinha um padrão de desgaste curioso, como se alguém cujas mãos descessem abaixo dos joelhos andasse por ali tocando a parede com elas, formando um caminho que ziguezagueava como o subir e descer de passos — e esse desbotado servia de estrada aos carrinhos que a menina fazia competir pelas paredes da pizzaria. Bruno morava perto. Sentava ali com um livro e esperava a toscana ficar pronta, mesmo que a menina, e principalmente a televisão, nem sempre deixassem ler.

Mas um dia o marido estava lá. Vestia uma camisa de manga curta, mostrando os braços magros e firmes e várias tatuagens, mesmo que a maioria delas parecesse desbotada a ponto de obscurecer qualquer traço sutil. Oferecia a quem chegasse o sorriso e a simpatia do vendedor experiente. Não era desagradável, mas a expressão em seu rosto transmitia o mesmo calor que o toque prolongado de uma pedra de gelo.

Bruno nunca voltou a ver a menina que não fosse sentada num canto atrás do balcão, fone no ouvido e os olhos em alguma coisa no tablet, rindo de vez em quando ou abanando a cabeça com os fios castanho-finos do pai e batendo os pezinhos ao ritmo da música. A mãe, agora, sempre vestia um moletom, mesmo em dias quentes, e Bruno notou que ela não sorria mais, e evitava olhar para os clientes, fixando um olhar de tristeza raivosa e muda na tela do computador, onde já não tocavam as duplas sertanejas que ela gostava de ouvir por cima da televisão.

E foi assim, a última vez que Bruno visitou o lugar e o viu aberto, à exceção que a menina não estava lá. Mas o homem estava, com seu sorriso predatório de vendedor. A mulher, de novo, olhava pra baixo, pro computador.

E agora está fechado. Bruno anda pela rua que fede a cigarro e mijo e procura outro lugar em que comer, imaginando violências. O ruído dos cascalhos que se soltam do asfalto a cada passo oferece um tipo estranho de pontuação ao som das televisões e músicas que ecoa de andares superiores.

Há o que parece ser gritos distantes de desespero — mas não deve ser nada.

*Bruno Nogueira é um escritor e tradutor mineiro, nascido em Lagoa da Prata e radicado em Curitiba, onde busca concluir um mestrado em literatura.

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