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(Por Eugênio Vinci de Moraes)

Bruma. Um pingo de garoa num copo de frio. Uma rua fora de foco. Noite vazia de gente, noite transbordando sombras. Eu havia chegado à cidade há algum tempo, quando passei a varar esse cenário noir da madrugada curitibana. Morava perto da praça da Espanha, antes de desonrarem o bom nome do bairro com a palavra-grife  Batel-Soho. 

Com a Adriana, eu atravessava esse túnel leitoso ao voltar do Distinto Cavalheiro, um bar pocket, parafusado na esquina da rua Barão de Rio Branco com a Saldanha Marinho. Ali houve um dos garçons mais extraordinários que conheci. Apesar do acanhado perímetro do estabelecimento, do parco número de mesas, ele custava perceber os nossos acenos, pois tinha os olhos vidrados em outra dimensão. Uma hora percebia-nos e atendia-nos muito bem, mas com aquele ar de quem estava e não estava conosco. 

Odil era o dono. Nome em que tropecei várias vezes. Ora era Odin, ora era Odilo, mas ergui-me a tempo para fixar, com o bom álcool e algum bolinho de carne, o nome extemporâneo. Sujeito simpático, bom papo e gentil. Hoje pinta belos quadros a óleo. 

Atrás de um balcão miniatura, levantavam-se prateleiras forradas dos frascos mais aliciantes. À direita brotava a chopeira, de onde deslizavam as velhas e amarelinhas  pilsen. Ainda estava por vir a revolução apa-ipa, à qual aderi na primeira hora,  traindo, não sem culpa, a pilsen, paulo freire de minha formação etílica.  

Do lado canhoto do balcão, lembro de ver muitas vezes o cronista e escritor Dante  Mendonça. Embora há pouco fixado em Curitiba, já o conhecia dos jornais. E ele não  desconhecia o copo, tanto menos o que o continha. Estávamos no início da Lei Seca e,  de saideira, o nosso Dante tomava sempre um táxi, um virgílio de lata que o conduzia  a sua beatriz. 

Ali, acompanhado dos amigos, comecei a conhecer o gênio curitibano. Inflamado pelo  chopp e robustecido pelo inesquecível bolinho de carne, singrava os asfaltos da  Saldanha Marinho e da Carlos de Carvalho até o prédio em que morava. Seis  quarteirões embrulhados em brumas externas  e internas. Essa navegação me ajudou a cerzir o rasgo que se abre na gente que sai da sua cidade pra renascer em outra.  

 

2 respostas

  1. Que lindo, Gê! E que nostalgia daqueles tempos… da caminhada da Reitoria até o Distinto pra te encontrar, dos amigos que já estavam lá com vc ou que iam comigo, do chope que hoje a gente acha aguado, do bolinho que na época a gente achava meio cru (não sabíamos nada sobre bolinhos de carne), até da cara de paisagem do garçom que olhava como quem diz “é comigo?”. Sim, era com ele, claro, a gente tava sempre querendo mais uma dose, até o barulho da porta de ferro avisar que ia ser a última… antes de enfrentar a bruma lá fora. Valeu!

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