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por Fábio Santiago

 

Atravessam com pernas longas e desertas os meus sonhos, avançam pelo travesseiro e querem um bocadinho de vida na folha do papel, melhor dizer, na tela luminosa, que rouba o vigor dos olhos, os deixa miúdos, mudos. Não basta sonhar, tenho que guardar o que sobrou dos sonhos, secar a palavra, as imagens adormecidas de Morfeu.

Todo este prólogo para enfim mandar um papo reto, que não faz curva! Os dias tem sido tensos, amargos, travosos, tristes…A pandemia e o inominável não dão trégua.

Voltemos, o papel é todo-ouvidos, meu psicanalista da vez.

Corte, fusão lenta. Em meu sonho estou em um banco de reservas, sem corte e nem fusão, deveria estar abraçado em uma câmera da transmissão, dando take, take, take, take…Só que, caio para dentro do campo – O professor me chamou, tentei enrolar, não deu pé. Sou lateral esquerdo, visto o número 6, esta incompreensão também cabe no sonho, eu deveria estar com a bola laranja em uma quadra e com o Jersey número 11, no entanto, me vejo ali, limítrofe a linha branca, camiseta encarnada, tocando a redonda, possivelmente maltratando-a. Cabe aqui uma elipse, hora de chutar a bola, o gol me aguarda, como posso? Sou apenas um reserva! Conto um poema. Poeta reserva!

Revisito as anotações, morféticas. A noite me pertence, encosto a cabeça de vinho no travesseiro, as bacantes não estão aqui, apenas o vinho e minha garota, deitada, sonhando bonito, ouço seu ronronar.

Corte, corte, corte, fade in. Outro sonho, outros aromatizantes. Preciso levar J para um aeroporto, não sei aonde fica, desesperado recorro ao GPS, nada funciona, ele pode perder o voo. Seria eu um motorista de aplicativo? Elipse. Estamos agora na casa da poeta L, alguém berrava versos por lá, não lembro, não vi quem era, voltamos, em busca do aeroporto, viagem ao Rio de Janeiro. Ele calçava o meu tênis de basquete do Lebron, disse-me que havia lhe dado – Não dei não, o tênis é meu! Sorrimos. Seguiu com eles. Corte seco, transição, muda o panorama, estamos em um lugar que não tem fisionomia de aeroporto. Ele desce, sobe a plataforma, eu dirijo, após desejar boa viagem ao amigo J. Na minha cabeça, aquilo era um tubo de ligeirinho da cidade de Curitiba. Ele sobrevoa o céu. Boa viagem.

Fade in, fade out, preto e branco, estou em outro sonho, outra anotação, outro dia, X me encontra em um pátio de uma universidade, diz que irá enviar o texto e depois me pede para retirar o poema da NBA, você não está jogando esta bola toda! Corte, transição, novos sonhos. M na sala de aula, de pé, encostado na parede, remexe o angu, adolescentes sentados em suas carteiras atentos escutam, A e eu éramos parte da turma, dois adultos, estrangeiros na passagem do tempo poético.

Corta! Outro sonho. L canta roque estrela para AB, em um filme que assisti e que agora faço parte, do sonho, do filme ou da canção?

Corte.

Espie só, as labirínticas brumas, expresso neblina. Labirinto Morfeu!

Corte.

Minha mãe e o meu pai costumam visitar-me nas noites de sonho bom, assim matamos as saudades.

Abaixa a trilha, Plano médio – Chegou em mim uma esquisitíssima palavra. Gostei dela na hora, amor a primeira lida, quando acordei, escrevi rapidamente para não a perder de vista. Repare, a danada não consta no dicionário, só existe para mim, é linda, sinuosa, lasciva, serpenteia e ondula a linha, pronta para ser amada. outra hora eu conto.

Fade out. Nestes dias quando acordo, amargando realidades, meus sonhos acordados estão em luto.

Reviro o tempo, escavo a mente, farejo os vestígios, quero encontrar os farelos, as aspas, as lembranças, do menino e adolescente que fui. Que se alimentava de sonho, sozinho descobria mundos, dentro do quarto, cheirava livros, filmes, músicas, pinturas, mandalas, programas de televisão…Meus doces pais me deram esta sorte.

Flash frame, corte, sem fusão, seco e duro, o filme rompeu, estilhaçado lembrei de quando andava em 24 quadros por segundo, louco e ávido.

Paulo José e Jean-Paul Belmondo não andam mais entre nós, moram no fotograma/frame, só assim poderemos reencontra-los.

Eu quis ser, eles, não fui, foram.

Lettering,

– A gente vai perdendo um certo sorriso.

Cortes, fusões, elipses.

Em 2012, o cineasta Carlão Reichenbach, seguiu dessa, o cinema para mim não só perdeu um mestre, ali se foi um grande coração.

Revejo “A Moça com a Valise” do Zurlini e lembro dele.

Corte.

Depois, em 2019, foi a vez do nosso amigo querido, Dom Rubens Ewald filho, ídolo dos tempos de garoto. Gentil e cuidadoso, gastou o seu tempo conosco. Foi tão cedo!

Vontade de rever West Side Story e Fellini 8 ½, filmes que gostávamos tanto não é mesmo Dom?

Corte.

Escovo o ar e assopro o tempo.

Fade in.

Aos que não se rendem e a tudo mais que nos leve para sonhar.

Um brinde e meu afeto.

Lettering.

Fim.

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