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por Daniel Osiecki

 

Desde janeiro deste ano sombrio em que estamos me ocupo nesta coluna em abordar questões relacionadas ao atual (des)governo e suas aberrações diárias. Fato preocupante, pois, como já relatei em vários outros textos, não há nenhuma esperança de melhora a curto ou longo prazo; mas também nunca fiquei sem tema aqui neste singelo espaço. Mas, caro (a) leitor (a), cansei de escrever sobre a trupe amalucada que comanda o país como adolescentes bêbados saídos de uma festa.

Dias atrás estava reunido com meu irmão e, como geralmente ocorre entre um trago e outro, lembrei-me da figura do grande e saudoso Marcelo De Angelis, poeta e agitador cultural, designer e publicitário, amigo querido e parceiro de muitos movimentos. Sua morte repentina foi um baque para toda a cena curitibana, pois não conheço alguém que não se encantasse com o ótimo papo, com sua inteligência e com aquela voz grave que declamava poesia e só elogiava seus amigos, novos e antigos. Sua generosidade sempre ficará guardada em minhas lembranças.

Conheci o Marcelo nos eventos literários na noite curitibana, até que nos tornamos amigos e parceiros na concepção do Vespeiro: vozes literárias, sarau-coletivo que tenho a honra de organizar e fazer parte com outros bravos camaradas: Otto Leopoldo Winck, Paulo Sandrini, Homero Gomes e Lídia Domingues.

Eram frequentes nossos encontros às tardes de sexta-feira no Café do árabe, no centro de Curitiba, para trocarmos ideias, falarmos dos novos projetos de cada um e trocarmos livros. Em um desses encontros, ganhei um exemplar autografado do primeiro livro do De Angelis, Inventário de rumores & quimeras (Contravento editorial), e retribuí com um exemplar do meu Sob o signo da noite (Editora Penalux).

As noites de poesia no Wonka, as cervejas e conhaques no Villa Bambu, os submarinos no bar do Alemão, os cafés no Árabe, os saraus envolto à fumaça de centenas de cigarros no Kappele ficarão para sempre em um canto especial da memória e do coração, mas um dos encontros com De Angelis que mais mexeu comigo foi alguns dias depois de sua morte, na Trajano Reis. Não sou crente em nada espiritual, sou como o Esteves sem metafísica do Álvaro de Campos, ou seja, sei que não era o De Angelis ressuscitado subindo a Trajano, mas por alguns segundos, simplesmente esqueci que meu amigo havia morrido.

Esqueci mesmo e, em um gesto natural e repleto de alegria, ergui meu copo de cerveja quando um homem idêntico ao Marcelo veio subindo a rua, com o mesmo cabelo grisalho e camisa xadrez, para convidá-lo para um trago. Não sei explicar, mas essa alegria em vê-lo me transbordou naquele instante que até me movi para o meio da rua para abraçá-lo, mas os segundos passaram, assim como esse homem que eu nunca havia visto.

O homem passou me olhando, deve ter achado estranho o fato de eu ter ficado olhando com um sorriso e com meu copo erguido, e foi nesse instante que pensei: o Marcelo morreu. Não pode ser ele.

Quando em minhas andanças me deparo com alguém com o cabelo longo grisalho e usando camisa xadrez, ainda tenho o hábito de tentar visualizar o Marcelo, nem que por alguns segundos. Agora o texto acaba por aqui, pois caiu um cisco no olho.

 

*Daniel Osiecki nasceu em Curitiba, em 1983. É professor de literatura, crítico literário e editor regional da Revista Flaubert. Publicou o livro de contos “Abismo” (2009). “Sob o signo da noite” (contos) é seu segundo livro. Mantém o blog “Távola Redonda” (www.novatavolaredonda.blogspot.com), organizador do coletivo “Vespeiro”.

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